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Sorteio, Tchekhov e um peixe amoroso

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Quero agradecer aos colegas deste blog, que, incrivelmente, apareceram e me provaram que devo ter um pouco mais do que três leitores. Fico feliz com a recepção no primeiro post: atraiu um número bom de acessos e pouco mais de 30 comentários. Devo dizer, com a maior serenidade possível, que o difícil mesmo não é chegar até aqui e sim continuar caminhando, sempre buscando qualidade no conteúdo do blog, acima de tudo.

Sorteio

Anuncio, com muita alegria, que realizei o sorteio da surpresa literária prometida no primeiro post. E o ganhador do livro “Um homem extraordinário e outras histórias”, um pocket de Tchekhov, é o caro leitor Hudson, que não conheço pessoalmente, mas que comentou com humor e estilo em 15 de maio de 2010, às 14h19, segundo o horário do blog. Obrigado pela visita, Hudson! Mande seu endereço no meu email (pradowil@gmail.com) para receber minha singela lembrança em sua casa.

E para também presentear, de alguma forma, os demais leitores, fiquem com o belíssimo conto “Amor de peixe”, que faz parte do livro “Um homem extraordinário e outras histórias”, de Tchekhov.

Amor de peixe

Por estranho que pareça, o único carácio dourado que vivia na lagoa perto da dátcha do general Pantalýkin enamorou-se perdidamente pela veranista Sónia Mámotchkina. De resto, o que há nisso de estranho? Não se apaixonou o demônio de Liérmontov por Tamara, e o cisne por Leda, e não acontece que escriturários apaixonam-se pelas filhas dos seus chefes?

Toda manhã, Sónia Mamotchhkina vinha com sua tia banhar-se na lagoa. O carácio apaixonado nadava bem perto da margem e observava. Por causa da vizinhança próxima da fundição “Krandel & Filhos”, a água da lagoa havia muito que ficara pardecenta, mas apesar disso o carácio via tudo. Ele via como pelo céu azul esvoaçavam nuvens brancas e pássaros, como se despiam as veranistas, como, dentre os arbustos ribeirinhos, espiavam-nas os rapazes, como a rechonchuda titia, antes de entrar na água , ficava uns cinco minutos sentada sobre uma pedra e , afagando-se satisfeira, dizia:–E com quem foi que eu, uma elefanta dessas, fui sair parecida? Até dá medo de olhar.

Tirando do corpo roupas leves, Sónia atirava-se na água , guinchando, encolhia-se de frio, e o carácio, sem perda de tempo, nadava bem perto dela e começava a beijar-lhe avidamente os pezinhos, os ombros, o pescoço…

Após o banho as veranistas voltavam à casa, para tomar chá com pães-doces, enquanto o carácio nadava solitário na enorme lagoa e pensava: “Naturalmente, não se pode nem falar em chances de ser correspondido. Como pode ela, tão formosa, vir a amar-me a mim, um corácio? Não, mil vezes não! Não te iludas pois com tais sonhos, desprezível peixe! Restate um só destino–a morte! Mas morrer, como? Revólveres e fósforos não há na lagoa. Para nós outros , os corácios, só uma morte é possível– a bocarra do lúcio. Mas onde encontrar um lúcio? Tempos atrás havia aqui na lagoa um lúcio, mas até ele se finou de tédio. Ó, infeliz que sou!”

E pensando na morte, o jovem pessimista afundava-se no lodo e la escrevia um diário…

Certa vez, ao entardecer, Sónia e a sua tia estavam sentadas à beira da lagoa, pescando. O carácio nadava por perto das iscas e não tirava os olhos da jovem amada. Súbito , no seu cérebro, qual um raio, brilhou uma idéia: ” Morrerei nas mãos dela!” Pensou ele, e começou a brincar alegremente com as nadadeiras. –” Oh, esta será uma morte maravilhosa e doce!”

E cheio de decisão, apenas empalidecendo um pouco, ele nadou para junto do anzol de Sónia e tomou-o na boca.

–Sónia, mordeu!-guinchou a tia. –Querida, o teu anzol! Mordeu!

–Ah, ah!

Sónia deu um pulo e um safanão com toda a força. Algo dourado faiscou no ar e esborrachou-se na água, deixando círculos concêntricos depois de si.

–Arrancou-se!-gritaram ambas as veranistas, empalidecendo.

–Arrancou-se! Ai! Querida!

Olharam para o anzol e viram nele um beiço de peixe;

–Ah, querida, não precisava puxar com tanta força. Agora o pobre peixinho ficou sem beiço…

Soltando-se do anzol, meu herói ficou atordoado e por muito tempo não entendeu o que lhe acontecera; depois, porém, voltando a si, ele gemeu:

–Outra vez viver! De novo! Ó , ironia do destino!

Percebendo no entanto que lhe faltava a mandíbula inferior, o carácio empalideceu e prorrompeu em gargalhadas selvagens…Ele enlouquecera.

Mas receio que pareça estranho que eu queira ocupar a atenção de um leitor sério com o destino de uma criatura tão ínfima e desinteressante como um carácio dourado. De resto, o que há nisso de estranho? Não descrevem umas senhoras em grossas revistas uns gobiões e umas lesmas de que ninguém precisa? Pois eu imito as senhoras. Quem sabe, até eu mesmo sou uma senhora e só me oculto sob um pseudônimo masculino.

E, assim, o carácio enlouqueceu. O infeliz está vivo até agora. Os dourados em geral gostam de ser fritos em creme de leite, mas o meu herói agora ama qualquer tipo de morte. Sónia Mámotchkina casou-se com o dono de uma drogaria, e a tia foi embora para Lípetsk, morar com a irmã casada. Nisso não há nda de estranho, pois a irmã casada tem seis filhos e todos os filhos amam a titia.

Mas, adiante. Na fundição “Krandel & Filhos” trabalha como diretor o engenheiro Kryssin. Ele tem um sobrinho, Ivan, o qual como é sabido, escreve versos e os imprime avidamente em todos os jornais e revistas. Num certo meio-dia muito quente, passando pela lagoa, o jovem poeta resolveu tomar um banho. Despiu-se e meteu-se na lagoa. O carácio demente tomou-o por Sónia Mámotchkina, nadou para junto dele e depositou-lhe um beijo nas costas. Esse beijo teve as mais ruinosas conseqüências: o carácio contagiou o poeta com o pessimismo. Não suspeitando de nada, o poeta saiu da água e , gargalhando insanamente, dirigiu-se para casa.

Alguns dias depois, ele viajou para Petersburgo; tendo lá visitado as redações, contagiou todos os poetas com o pessimismo, e desde então os nossos poetas começaram a escrever poesias melancólicas e sombrias.

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